Aluna da USP acusada de desviar R$ 1 milhão vira ré por golpe em casa lotérica

A estudante Alicia Dudy Muller Veiga de 26 anos, parecia ser um caso exemplar de superação. De origem humilde, prestou vestibular quatro vezes para, aos 20 anos, vencer 16 mil concorrentes e ingressar na Faculdade de Medicina da USP, onde em pouco tempo assinou artigos científicos e virou braço direito de professores. Alicia também ajudava médicos já formados em fase de especialização. O médico que estava muito atarefado com o plantão entregava a ela, considerada "fora da curva", parte da pesquisa, como coleta de material para doutorado. Esse trabalho lhe rendeu experiência, conhecimento e ajuda de custo. Foi nesse período que Alicia recebeu R$ 3.000 em cinco parcelas do Auxílio Emergencial na pandemia. Alicia ainda arrumou tempo para integrar o programa MD PhD, que permite ao aluno de medicina da USP estudar matérias da pós-graduação, com a possibilidade de terminar a faculdade com título de doutor.

Os amigos, no entanto, notaram a mudança no padrão de vida da Alicia, que em 2022 alugou por R$ 3.700 um flat novo de 42 m² no bairro Ipiranga com quarto, sala, cozinha, varanda e duas vagas na garagem. Em pouco tempo, a aluna mobiliou todo o apartamento com móveis novos.

A vida da aluna brilhante, porém, virou caso de polícia. Em janeiro de 2023, Alicia ficou conhecida após ser acusada de desviar R$ 937 mil arrecadados pela Comissão de Formatura da turma da qual fazia parte.

Com alguma aflição, no dia 3 de janeiro Alicia comentou com a amiga do trabalho que havia perdido todo o dinheiro da formatura investindo em uma corretora financeira. Questionada se ela tinha "ficado louca", Alicia teria encerrado o assunto. Cinco dias depois, ela confessou o crime.

No dia 8 de janeiro, ela enviou mensagens de WhatsApp à Comissão de Formatura confessando o desvio e reafirmando que perdeu tudo depois de um calote da corretora. Após a confissão, os colegas procuraram a polícia para fazer um boletim de ocorrência, quando souberam que Alicia já era investigada em São Bernardo do Campo por apostas suspeitas na Lotofácil e um calote de R$ 192,9 mil em uma casa lotérica.

Alicia disse que tirou o valor da empresa contratada para arrecadar o dinheiro da festa, alegando que a verba não era bem administrada pela empresa de formatura que havia sido contratada.

Membro da comissão de formatura, Alicia resolveu administrar o dinheiro por conta própria. Ela disse que fez "péssimas aplicações" e perdeu dinheiro. Para recuperar os valores, ela teria realizado as apostas na lotérica.

A aluna também afirmou, posteriormente, que usou parte do dinheiro para benefício próprio. Com os valores, bancou o aluguel de um apartamento e de um carro, além de ter comprado equipamentos eletrônicos. Em razão dessas acusações, Alicia virou ré pela primeira vez em março do ano passado.

Alicia foi denunciada pelo Ministério Público por estelionato. A acusação surgiu após Alicia tentar realizar apostas no valor de R$ 891 mil, pagando apenas R$ 891,53, uma fração irrisória do montante devido. Segundo o Ministério Público, ela solicitou as apostas, alegando realizar transferências via PIX para a lotérica. No entanto, quando o valor das apostas atingiu R$ 193,8 mil, a gerência do estabelecimento notou que Alicia havia agendado apenas uma pequena parcela do valor total.

Quando a gerente da lotérica notou o golpe, já era tarde. A funcionária desconfiou de Alicia ao perceber que, em vez do pagamento, a estudante havia feito apenas um agendamento por Pix. Questionada, Alicia mostrou o extrato de transferência de R$ 891. O problema é que a funcionária já havia formalizado as apostas de R$ 193,8 mil.

A denúncia foi acolhida no dia 29 de novembro. No entanto, a informação só foi revelada recentemente porque estar em segredo de Justiça.

Entre abril e julho de 2022, Alicia realizou ao menos R$ 397,2 mil em apostas no mesmo lugar. Ela ganhou R$ 366,6 mil em prêmios. Apesar de perder dinheiro, o método teria servido para lavar o dinheiro da formatura, disse a polícia na época.

Depois de diversas apostas na casa dos R$ 10 mil, a lotérica procurou a polícia alegando estelionato. Foi no dia 12 de julho que Alicia realizou as apostas de R$ 193 mil sem que a transferência por Pix fosse efetuada.

O caso de Alicia Dudy Muller Veiga ressalta a urgência de abordar não apenas as consequências legais de suas ações, mas também as possíveis causas subjacentes, como a compulsão por jogos. Sua repetida envolvência em atividades de estelionato, incluindo o desvio de fundos da festa de formatura e a tentativa de fraude em uma lotérica, sugere uma compulsão preocupante que pode estar subjacente a seus comportamentos ilegais. Além disso, destaca-se a importância do jogo responsável e da conscientização sobre os riscos associados ao jogo compulsivo. Para além das medidas punitivas, é crucial oferecer tratamento para indivíduos como Alicia, a fim de prevenir futuras transgressões e garantir que eles recebam a assistência necessária para lidar com suas lutas pessoais. Somente através de uma abordagem abrangente que combine a aplicação da lei com o apoio social e o tratamento adequado, podemos esperar alcançar a justiça e a reparação necessárias para todas as partes envolvidas.